Portugal e Espanha reafirmam o compromisso de aprofundar as relações entre a União Europeia e a América Latina
O Primeiro-Ministro António Costa afirmou esperar que a presidência espanhola da União Europeia seja «uma oportunidade para dar um novo impulso à política comercial da UE, designadamente, concluindo os acordos com o México, com o Chile e mesmo com o Mercosul», na conferência de imprensa conjunta com o Presidente do Governo de Espanha, Pedro Sanchez, no final da 34.ª cimeira entre os dois chefes de Governo em Lanzarote, Canárias.
A União Europeia tem estado mais focada no leste europeu, devido à agressão russa à Ucrânia, iniciada há um ano, mas precisa também de dar atenção à dimensão atlântica, que «será, seguramente, uma marca muito importante da presidência espanhola», disse.
Os dois chefes de Governo discutiram a agenda europeia e os temas que poderão dominar o segundo semestre do ano, voltando a sublinhar a sintonia em relação aos dossiês fundamentais que estão em discussão na UE.
ENERGIA
O Primeiro-Ministro referiu a reforma do mercado da energia e as novas regras de governação económica «que são necessárias, que estão neste momento com os trabalhos a decorrer e que seguramente, com o impulso político da presidência espanhola, poderão chegar a bom porto».
António Costa e Pedro Sánchez lembraram que Portugal e Espanha têm trabalhado em conjunto no seio da UE, destacando a «solução ibérica», que limitou o aumento dos preços do gás usado para produzir eletricidade, e o projeto dos gasodutos para transportar hidrogénio entre a península ibérica e a França.
O Primeiro-Ministro considerou a proposta da Comissão Europeia para reforma do mercado da eletricidade, divulgada no dia 14, como «muito tímida». O «que é necessário é o que Espanha e Portugal têm vindo a defender desde março do ano passado, no sentido de separar de uma vez por todas os mercados da eletricidade e do gás, acabar com a regra marginalista de fixar o preço da eletricidade pelo preço mais elevado da sua fonte de produção», em vez de o fixar em função do custo efetivo da sua forma de produção.
REINDUSTRILIZAÇÃO
Ambos realçaram o acordo sobre a necessidade de reforçar a autonomia estratégica da União Europeia, através da reindustrialização e da procura de novos parceiros comerciais, para diminuir a dependência europeia da importação de energia ou de bens de países como a China.
O Primeiro-Ministro realçou o «esforço comum de reindustrialização verde» feito por Portugal e por Espanha, que fortalecerá as economias dos dois países e reforçará a autonomia estratégica da Europa.
A Espanha tem como objetivo dar um impulso ao debate sobre a autonomia estratégica da União Europeia durante a sua presidência, sendo este um dos assuntos centrais de uma cimeira dos líderes da UE que terá lugar em Granada, a 6 de outubro.
APOIO Á UCRÂIA, ATENÇÃO AO MEDITERRÂNEO
Portugal e Espanha assinaram uma Declaração conjunta na qual reiteram o compromisso de total apoio à Ucrânia e pedem especial atenção da União Europeia ao fenómeno das migrações e das tensões no Magrebe.
«A cimeira permitiu reiterar a mais veemente condenação da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, que representa uma violação flagrante das mais elementares normas e princípios do Direito Internacional, incluindo da Carta das Nações Unidas, e representa uma ameaça à segurança e estabilidade e à ordem internacional baseada em regras», refere a declaração.
Os dois países reafirmam o «compromisso com os princípios da soberania e integridade territorial da Ucrânia e exigem a retirada completa, imediata e incondicional de todas as forças militares russas do território da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas», bem como a «vontade de continuar a apoiar a Ucrânia, prestando assistência, entre outros, nos domínios humanitário, económico-financeiro e militar, em coordenação com os seus parceiros e aliados».
MAGREBE
Em paralelo, chamam a atenção para as tensões na margem sul do Mediterrâneo e no noroeste de África, agravadas pela guerra na Ucrânia, afirmando que «Portugal e Espanha consideram que um diálogo regular e fluido com os parceiros do sul do Mediterrâneo é essencial para o desenvolvimento da parceria euro-mediterrânica».
Os dois países sublinham a vontade de «continuar a trabalhar pela estabilidade, desenvolvimento e prosperidade sustentável de África, em estreita cooperação e diálogo com a União Africana e com os países do continente» e de «coordenar esforços para promover o investimento e a criação de emprego no continente africano, em linha com os objetivos da presidência espanhola do Conselho da UE», nomeadamente através da «efetiva implementação dos compromissos adotados no âmbito das cimeiras entre a União Europeia e a União Africana».
Portugal e Espanha vão «envidar esforços no continente, especialmente no Sahel, na República Centro-Africana, em Moçambique, no Golfo da Guiné e no corno de África», sendo «fundamental reforçar o apoio da comunidade internacional a esses Estados e regiões, contribuindo, assim, para erradicar o terrorismo, combater a criminalidade organizada, afastar a influência perniciosa de entidades paramilitares estrangeiras, que aproveitam, em benefício próprio, a fragilidade das instituições políticas e a retração da comunidade internacional».
AUTONOMIA EUROPEIA
A Declaração refere que os dois países estão «determinados a contribuir para o reforço da autonomia estratégica da UE e para assegurar que a indústria europeia se mantém competitiva no contexto internacional», que deve construir-se «no quadro de uma economia aberta, sem se fechar ao mundo».
«Portugal e Espanha com a relação próxima e a visão global que os caracterizam, têm capacidade de aportar valor nestes domínios no período de transição que atravessamos. Ambos os Governos reafirmam o seu compromisso com um sistema comercial multilateral aberto, livre, inclusivo, não discriminatório, transparente e baseado em regras, centrado na Organização Mundial do Comércio», acrescenta.
A União Europeia «beneficiaria com o estabelecimento de um instrumento permanente de estabilização macroeconómica para responder adequadamente às crises», inspirado «na experiência do SURE, que teve muito êxito, ajudando os Estados-Membros a absorver o choque económico causado pela pandemia da covid-19».
AMÉRICA LATINA
Os dois países reafirmam o compromisso de aprofundar as relações entre a União Europeia e a América Latina e Antilhas (Caraíbas), regiões que partilham os mesmos valores e interesses, e de trabalhar para que a Cimeira de Chefes de Estado e de Governo das duas regiões, que se realizará a 17 e 18 de julho (durante o semestre da presidência espanhola da UE), permita o desenvolvimento de um relacionamento mais estruturado.
Reafirmam também a vontade de continuar a modernização do Acordo Global União Europeia-México e do Acordo de Associação União Europeia-Chile, bem como de assinar e ratificar o Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul.
CIMEIRA
A cimeira, que teve como tema «Portugal e Espanha: A Europa no Atlântico», começou às 9h00, com uma cerimónia de boas-vindas, que incluiu honras militares e foto de família, seguindo-se e reunião entre os dois Chefes de Governo, as reuniões setoriais entre Ministros, a sessão plenária e a assinatura de acordos.
Pela parte portuguesa estiveram presentes os Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Justiça, da Cultura, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da Educação, do Trabalho Solidariedade e Segurança Social, da Saúde, do Ambiente e da Ação Climática, das Infraestruturas e da Coesão Territorial.
A 34.ª cimeira Luso Espanhola ocorreu quatro meses depois da anterior, em novembro, em Viana do Castelo, devido à agenda interna de Espanha, que tem eleições regionais e municipais a 28 de maio, legislativas em dezembro e exerce a presidência do Conselho União Europeia no segundo semestre.
No dia 14, antes da cimeira, o Primeiro-Ministro português, António Costa, e o Presidente do Governo espanhol, Pedro Sanchez, visitaram a casa do escritor José Saramago, Nobel da Literatura em 1998, em Lanzarote.