As Comédias do Minho levaram a Carrinha Velha até ao palácio de Belém

A Carrinha Velha, de Tânia Almeida.

Depois de meses a criar para o ‘digital’, os atores das Comédias do Minho interromperam o seu jejum de palco com uma atuação para Marcelo Rebelo de Sousa. A convite da Presidência da República, e no âmbito das comemorações do Dia Mundial do Teatro, Luís Filipe Silva e Joana Magalhães apresentaram A Carrinha Velha, de Tânia Almeida.

A Carrinha Velha ganhou um corpo e revelou ao Presidente o que observou ao longo de anos nas estradas minhotas, ao serviço desta companhia de teatro itinerante. É esta Fiat que faz de carro de som e anuncia os espetáculos pelas aldeias. É nela que se transportam cenários e figurinos, por montanhas e vales, para chegar às aldeias mais isoladas do território. Pelo caminho, acontecem romances e desavenças. No fim do dia, muitas vezes são os seus faróis que permitem a desmontagem do espetáculo, “embora agora já não haja espetáculos há muito tempo”, acrescentou Luís Filipe Silva. 

A proposta, levada ao palco do Jardim da Cascata do Palácio de Belém no passado dia 27 de março, partiu de um episódio do podcast ficcional “A Tua Mesa Odeia-te”.  Criado durante o atual confinamento para a Rádio Comédias e integrado na programação digital ‘Comédias Takeaway’, o podcast consiste em entrevistas a objetos inanimados que fazem parte da história das Comédias do Minho. Em início de desconfinamento, adapta-se o ’digital’ ao ‘presencial’. 

Quando parecia que o espetáculo tinha acabado, os atores colocaram uma coluna de som em palco, porque ela “pediu para falar”: Estes têm sido tempos muito difíceis para as atuações ao vivo. Muitos artistas e técnicos, meus queridos, têm lutado pela sua profissão, já de si carregada de insegurança. (...) A bela cultura do teatro viverá enquanto eles ficarem aqui. (...) E como coluna que já tem saudades de ser usada, só me resta dizer: Mal posso esperar!

Nas palavras de Magda Henriques, Diretora Artística das Comédias do Minho, “não é de pouca importância termos sido nós, Comédias do Minho, a receber este convite. Somos uma estrutura localizada num território que não coincide com os ditos ‘grandes centros’ e este é um gesto relevante. As escolhas importam. Afirmar formalmente as periferias como ‘centrais’ tem significado, porque descentralizar não chega. Importa olhar para o país como um território complexo, diversificado, composto de múltiplas realidades e centralidades. Cabe-nos assim, também, celebrar o teatro e todos aqueles que o tornam possível. São tantas as estruturas culturais, mais ou menos invisíveis, que existem por esse país fora. Tantas pessoas. Tantos profissionais. É o teatro que está no centro desta celebração e com ele, necessariamente, todos aqueles que o tornam possível. Todos são imprescindíveis.”

As ‘Comédias do Minho’ são fruto do esforço colaborativo dos municípios de Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira. Depois de garantidas as ditas necessidades básicas, era preciso dotar o Vale do Minho de um projeto cultural próprio, adaptado à realidade socioeconómica e com um enfoque especial no envolvimento das populações. Há dezassete anos que a Companhia de Teatro profissional leva as suas criações às vilas e aldeias do território. Hoje, há também um Projeto Pedagógico que trabalha as artes performativas com toda a comunidade educativa da região. As associações locais e grupos de teatro de amadores são abrangidos pelo Projeto Comunitário. Esta estrutura cultural foi o exemplo que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, quis destacar no Dia Mundial do Teatro, afirmando que "Portugal não é Lisboa e há muita coisa a fazer para levar mais longe a descentralização, que está nas leis, mas que tem de passar para a vida das pessoas". O Presidente aprofundou, dizendo que “descentralizar não é apenas fazer leis a dizer que se dá mais poderes, é dar mais meios para se exercerem esses poderes. Não é apenas reconhecer o papel das Câmaras Municipais e das Juntas de Freguesia, é permitir que se unam, que ganhem força, que tenham massa crítica para poderem levar mais longe a descentralização", disse, apontando este como um "desafio dos próximos tempos". Na sua curta intervenção, o Presidente da República considerou que a cultura "foi talvez a atividade mais sacrificada pela pandemia" de covid-19. Já Magda Henriques recusou alongar-se “em considerações sobre o estado atual de muitos profissionais da área. A situação é sobejamente conhecida. O contexto em que vivemos só tornou visível e radicalizou o que já estava aí.” As salas de espetáculos voltam a abrir no próximo dia 19 de Abril.